***
1/31/2015
1/25/2015
ENCONTRO ENTRE CAUBY CRUZ E OSWALDO GOELDI
ENCONTRO ENTRE CAUBY
CRUZ E OSWALDO GOELDI
Por Ney Ferraz Paiva
O silêncio, e o que mais aconteça.
Antonio Gamoneda
Começo o meu relato.
Um rascunho. Um esboço. Um estudo. Vou tentar aproximar alguns turnos de
escrita e gravura. Cauby Cruz e Oswaldo Goeldi. Tantas histórias houve, há
entre eles. É só deixar haver. O rosto, o traço. Ver que estão num mesmo sonho.
Neste sonho é sempre noite. Num primeiro momento pressente-se o lugar, e a
textura desolada da paisagem se abre sobre dorsos de corpos que vagam como espectros,
vivendo de pequenos afazeres, bicos, ocupações incertas e daí de
volta ao mais miserável dos quartos. O legado sombrio que se esparrama pelo
mundo e pela história que os cerca. O legado que nada deixa além da escuridão.
Uma espécie de errância fundamental
paira sobre eles e o mundo deles. Depois da porta, há a noite, através da qual
os indeléveis passos vão se tornando progressivamente mais intensos, tentando
culminar num desfecho. Mas o mundo de sombras permanece inescrutável. Todos
seguem ligados aos mesmos destroços da noite. Estamos no distante centro de uma
cidade que é toda ela um submundo. Virada contra si mesma. Sem respirar o tempo
presente e deteriorada pelo futuro. Apagada de sua própria vida. Tudo é operado
para que a cidade não surja de dentro do habitante. No sonho, como na vida, o
enredo pode resultar um curto-circuito... De repente, surge um homem sobre um
trecho de trilhos, ele assinala para a locomotiva que se aproxima e que nem em
cem anos vai tornar-se um TGV (sigla do trem-bala francês). Move no breu o
braço inútil. No sonho, ele é o poeta. Pelo avesso, na vida, nós somos ele. No
sonho, que permanece noite, o homem e a máquina refletem a ordem e a conexão vigente
de uma realidade injusta. Noutro ponto da paisagem, outro homem ostenta um guarda
chuva vermelho aberto. Uma cena que não se refere ainda a um alerta das
previsões climáticas. Antes, simula todo um cenário de mudança, transformação ao
mesmo tempo criadora, intelectual e artística, e que talvez acentue ainda mais
o contexto de espera. A chuva nos surpreende e aprisiona a um canto, como um
perigo que está progredindo. Não se sabe o que é, está apenas lá, de longe, com
as garras abertas. Um vislumbre. Uma fantasmagoria. “O inseto em si não pode
ser mostrado”, opina Kafka. A forma como o artista, e sobretudo o escritor, se
envolve com a própria criação o vincula ao mundo que avista. Cauby se retirou
por mais de vinte anos para escrever – e escrevendo fez cessar a escrita. Escrever
é um aborrecimento. Logo ao se iniciar deve-se retomar o silêncio. Goeldi, que
nunca foi um buscador, um que estivesse à procura, tornou-se cada vez mais
recuado e distante. “Tão solitário, Goeldi!”, grita Drummond. Fez longa carreira
pelo mundo, ainda que o mundo lhe fosse um lugar distante, de poucas e raras aproximações.
Como Cauby, sentia-se à parte da confraria. Com efeito, criar não é nada dócil,
mesmo se a criação for gentilmente autorizada pelos herdeiros, mesmo se
patrocinadores institucionais forem honrados (e ironia maior: ainda bem que no
nosso caso não são, não podem ser, nos impõem a fazer e pronto!) ou se por uma
série de razões se concorda em não pensar no assunto – sem se mover do luto, da
vergonha, do pudor, saudosos de todos os falecimentos. E joga-se os velhos
jogos. E fica-se do lado da lei. E toma-se parte do mesmo núcleo da moral
oficial & do poder. E a arte vira esse lugar de cavaleiros pomposos. Arte
Filosofia Religião Ciência produzidas em cadeia para abastecer os mercados da
beleza e do cosmético, da diversão e do laser, do luxo e do bom gosto
exacerbado - dominador - amado - cultuado. O convite de Cauby e de Goeldi é
outro: não apenas sentir a verdade na carne; ela como algo mantida conservada
em álcool – e sim de forma nietzscheana: a verdade devorada nos rituais da
fome... “sofrer a mesma fome” (Cauby nos impele), engolir e ser engolido na
longa noite de antropofagia que é o paraíso...
Ney Ferraz Paiva
Belém, janeiro, 2015.
ARRASTAR UM LANDAU DEBAIXO D'ÁGUA | novo livro de Ney Ferraz Paiva
ARRASTAR
UM LANDAU DEBAIXO D'ÁGUA
UM LANDAU DEBAIXO D'ÁGUA
o lançamento será realizado em
fevereiro de 2015 e o livro já está em pré-venda em nosso catálogo.
*
um poema do novo livro de Ney Ferraz Paiva
* * *
uma Clarice
nasce na Ucrânia
outra em Alagoas outra mais
no Recife outra no Rio
pelo mundo & fora do tempo
quantas vezes nasce a mulher
negociada num antiquário
despida de antigas memórias
desaparecida dentro de um livro
junto com uma velha gravura
ou num quarto em Belém como
quem não quer nada nem pode
desmunida de correto destino
ou em Nápoles sob bombardeio
virtuose do silêncio & do medo
tanto que exímia mãe do abismo
outra migrou despistada de si
arrancada ao coração da noite
selvagem embaralhada pelo azar
outra registrada com nome falso
outra que soa como uma ameaça
quantas vezes nasce a mulher?
outra em Alagoas outra mais
no Recife outra no Rio
pelo mundo & fora do tempo
quantas vezes nasce a mulher
negociada num antiquário
despida de antigas memórias
desaparecida dentro de um livro
junto com uma velha gravura
ou num quarto em Belém como
quem não quer nada nem pode
desmunida de correto destino
ou em Nápoles sob bombardeio
virtuose do silêncio & do medo
tanto que exímia mãe do abismo
outra migrou despistada de si
arrancada ao coração da noite
selvagem embaralhada pelo azar
outra registrada com nome falso
outra que soa como uma ameaça
quantas vezes nasce a mulher?
1/09/2015
A CIDADE COMO ESCRITA | 399 anos de Belém
A CIDADE COMO
ESCRITA
OU POÉTICAS DA
CIDADE:
EM HOMENAGEM AOS 399
ANOS DE BELÉM
Realização | Revista Polichinello
revista.polichinello@gmail.com
DIAS 15 E 16 DE
JANEIRO DE 2015 | Belém
IPHAN - Av. José
Malcher nº 474
(Esquina Com Benjamin Constant)
"O escrito é como uma cidade, para o qual as palavras são mil portas" W.Benjamin
*
L I T E R A T U R A
P E R F O R M A N C E S
F O T O G R A F I A S
C I N E M A
C I N E M A
P A R T I C I P A Ç Ã O :
EDILSON PANTOJA (Escritor e Filosofo)
KEYLA SOBRAL
(Artista Visual)
VICENTE FRANZ CECIM
(Escritor)
João Bosco Maia
(Escritor)
***
Quanta coisa
estranha não se pode ver numa grande cidade quando se sabe passear por ela
e olhar! Charles Baudelaire
Na contramão
Trata-se de um encontro com a cidade tal como ela é: intensa
aglomeração de imagens, ruídos, congestionamentos, deslocamentos, aguaceiros,
transeuntes, refúgios, infernos, encontros, sobrevivências, entranhas,
imersões, escritas, pulsações, vazios, fugas.
Essa heterogeneidade reflete a dessemelhança, paradoxos e
possíveis, que constitui a cidade no seu funcionamento. É a partir desse
horizonte que a cidade nos interessa, ou seja, é dessa composição que pulsa a
vontade de travessia.
Nosso objetivo é cruzar a urbe a partir da sua profusão de escritas
e contingências na direção dos acontecimentos, sejam os que irrompem no
imperceptível ou no subterrâneo. Pois navegar pelos dédalos tal como desejamos
implica, sobretudo, em perceber os gestos desolados do qualquer; acompanhar o
tempo das imagens intermitentes; ouvir o inaudito das ruas; navegar pelas
grafias do desconhecido; fugir para o outro da cidade, afinal a cidade é um
organismo no qual se atravessam todas as artérias. Nilson Oliveira
Assinar:
Postagens (Atom)