6/27/2012

Philippe Lacoue-Labarthe | Maurice Blanchot











Por Joao Camillo Penna | UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro



Agonie terminee, agonie interminable. Sur Maurice Blanchot
Agonia terminada, agonia interminável.
Philippe Lacoue-Labarthe.
Paris: Galilee, 2011.


A experiência da morte – esta pura impossibilidade – seria a condição, o fim e a origem, ou quem sabe o imperativo categórico (o ‘e preciso’ incondicionado) da literatura como do pensamento. Essa frase resume o livro póstumo de Philippe Lacoue-Labarthe (1940-2007), Agonie terminee, agonie interminable. Sur Maurice Blanchot, que chega agora a forma de volume, graças ao trabalho de Aristide Bianchi e Leonid Kharlamov. O livro fora anunciado na Amazon.com.fr desde 2004, mas fora deixado incompleto, ou “interminado”, como diz o próprio titulo, pelo autor em vida. A publicação coincide com a abertura do arquivo de Lacoue-Labarthe no IMEC (Institut Memoires de l’Edition Contemporaine), onde estão depositados os arquivos de muitos dos grandes escritores franceses contemporâneos. O livro e composto de textos heterogêneos, três conferencias, dois textos encomendados, um outro mais antigo, da serie de prosas Frases (Phrases), coligidas em volume em 2000 (Paris: Christian Bourgois). Pelas notas deixadas em seus arquivos, pode-se reconstituir o formato que teria o livro se concluído, o que nos permite deduzir-lhe o escopo. A apresentação dos dois editores faz o trabalho de recomposição do todo, citando notas de seminários, correspondência, anotações esparsas do autor para si próprio, e não chegam propriamente a preencher lhe as lacunas, mas dão uma medida do contorno fantasmático do que seria a obra, caso Lacoue-Labarthe tivesse podido conclui-la. Os editores dão um passo adiante com relação ao todo, de maneira discreta, mas firme, demonstrando que em parte Lacoue-Labarthe deixou o livro incompleto não apenas pela doença que o matou, mas por duvidas essenciais com relação ao objeto de sua investigação, que de alguma maneira o titulo agônico, mais uma vez, nomeia. Todos os textos que compõem o volume, no estado possível em que foi deixado pelo autor apos sua morte, giram diretamente em torno de Maurice Blanchot, mais especialmente em torno de dois textos de caráter autobiográfico, ou testemunhal, mesmo que o primeiro termo faça problema e o segundo fuja ao tema que interessa a Lacoue-Labarthe.




Os dois textos são: o pequeno fragmento “Uma cena primitiva?” (“Une scene primitive?”), publicado pela primeira vez em 1976, em uma revista editada por Lacoue- Labarthe,* e depois incluído, em versão ligeiramente modificada, com uma serie de outros fragmentos de que ele e como que a condicao de possibilidade, em A escrita do desastre (L’Ecriture du desastre. Paris: Gallimard, 1980); e o segundo e O instante de minha morte (L’Instant de ma mort. Paris: Gallimard, 2002). Os dois textos não tem aparentemente nada em comum. O primeiro relata um episodio de infância: um menino “de sete ou talvez oito anos”, olhando pela janela, e subitamente encarando o céu, reconhecendo-o como vazio – “o céu, o mesmo céu, de repente aberto, negro absolutamente e vazio absolutamente” – e fazendo a revelação determinante para o resto de sua vida, resumida na seguinte frase: “nada e o que ha e antes de mais nada nada além” (“rien est ce qu’il y a et d’abord rien au-dela”). O que doravante fara o menino viver “no segredo”: “Ele nunca mais chorara”. O segundo relata um episodio ocorrido no final da Segunda Guerra Mundial, em 1944, com um “jovem”, no interior da Franca, quando, preso por um pelotão da SS, escapa por um acaso da sorte de ser fuzilado. A experiência da quase morte e vivida como um êxtase, “uma espécie de beatitude”, uma revelação da leveza (ele “experimentou então um sentimento de extraordinária leveza”). Essa experiência e o sentimento inanalisável que provocou no jovem o marcarão para sempre, transformando o resto de sua vida em uma espécie de resto póstumo: “nem felicidade, nem infelicidade. Nem ausência de temor e talvez já o passo além [le pas au-dela: ao mesmo tempo ‘passo além’ e ‘nada além’]”. O que tem os dois textos em comum além do aspecto, como ja disse, problematicamente autobiográfico, disfarçado pelo uso da terceira pessoa? Duas coisas. Em primeiro lugar, trata-se em ambos os casos de experiências, mas de experiências paradoxais, “experiências sem experiência”, para usar uma expressão de Blanchot, em que nada propriamente e experimentado ou em que precisamente o “nada” e experimentado, e, sobretudo em que a impossível experiência da morte e, por assim dizer, vivida enquanto quase morte, simulacro da morte. Em ambos os casos, temos uma espécie de êxtase vazio, sem objeto, beirando a revelação mística, como mística negativa, revelação ateia do vazio dos céus no primeiro, e, no segundo, como dadiva da vida, vivida, a partir da experiência crucial que se conta, como sobrevivência, sobrevida ou segunda vida, de tal modo que se inverte a formula consensual: a vida e que e a consequência da morte, esta sendo a intima condição daquela. Teríamos aqui dois exemplares do que Lacoue-Labarthe chama de “a escrita póstuma” de Blanchot. Em segundo lugar, e aqui tocamos no cerne da hipótese de Lacoue-Labarthe, os dos textos situam-se no contexto do programa rigoroso estabelecido pelo “ultimo Blanchot” de desmitologização ou de desconstrução do mitológico, do sagrado ou da religião. A hipótese e formulada de maneira mais clara quando Lacoue-Labarthe le a referencia laconica a Andre Malraux, no final de O instante de minha morte. O “jovem” teria se encontrado pouco tempo depois do incidente do quase fuzilamento com Andre Malraux em Paris, que lhe relata a perda de um manuscrito, em um incidente com um pelotão SS. Na invasão ao Castelo em que morava o “jovem”, a propriedade da tradicional família de Blanchot, em Quain, o SS teria encontrado também um “grosso manuscrito”, talvez “planos de guerra”. O texto sugere a junção entre os dois manuscritos (o do “jovem” e o de Malraux), nos fazendo pensar, com Lacoue-Labarthe, que eles fossem quem sabe o mesmo. O fundo do problema, no entanto, esta na motivacao dessa referencia a Malraux no texto de Blanchot. Lacoue-Labarthe desentranha um episodio narrado nas Antimemorias de Malraux. Ele teria passado por um quase fuzilamento semelhante ao de Blanchot, e exatamente na mesma época, fato que Malraux aparentemente ignorava. Apos ser preso com documentos falsos, perto de Gramat, e interrogado pela Gestapo, Malraux fora colocado diante de um pelotão de fuzilamento que, no entanto, não o executa. O paralelo entre os dois simulacros de execução aponta, na verdade, segundo Lacoue-Labarthe, para uma oposição entre duas politicas da escrita, que Blanchot visaria demonstrar: a sua e a de Malraux. A operacao romanesco-memorialistica de Malraux contem uma intensa mitologizacao, enquanto a de Blanchot se construiria como negacao do mitologico. Lacoue-Labarthe analisa a bela cena de renascimento para a vida, como repetição da origem do mundo, também em Le Miroir des limbes, nas Antimemorias, em termos que lembram os de Blanchot, embora carregados de uma mitologia inteiramente ausente do texto de Blanchot.



Eu sabia agora o que significavam os mitos antigos dos seres arrancados
aos mortos. Eu quase não me lembrava da morte; o que eu
levava comigo era a descoberta de um segredo bastante simples,
intransmissivel e sagrado. Assim, talvez, Deus olhou o primeiro homem...*



A oposição de procedimento literário se completa por uma oposição politica, Blanchot tendo se contraposto resolutamente as posições defendidas pelo Malraux-homem de estado a partir do final dos anos 1950. A conclusão de Lacoue-Labarthe e que aqui justamente se situaria o cerne do paradoxo banchotiano: a escrita antimitologica nao deixa de conter sua parte de mitologizacao, nem que seja a mitologia da falta de mitologia. De maneira essencial, Blanchot teria encarnado mais do que ninguem o mito do escritor e da escrita moderna. Afinal, e ele quem coloca em O espaco literario a escrita sob a égide do mito de Orfeu, ou seja, da descida aos infernos, a nekuia, inscrita nas Georgicas de Virgílio, e que encontra o seu modelo na Odisseia de Homero, na descida de Ulisses aos infernos. Esta travessia da morte e precisamente a matriz da cena do quase fuzilamento de Malraux, Blanchot e, e claro, de Dostoievski, que Malraux nao deixa de citar em suas Antimemorias. A nekuia remeteria a um rito iniciatico quem sabe universal, e que teria como complemento esta outra cena paradigmática, também originada em Homero, desta vez na Iliada, a da ira, com todos os harmônicos políticos contidos nela: a ira contra a injustiça, fonte de toda a protestação politica, como a do jovem Marx. A desmitologizacao programática de Blanchot não deixa de conter a sua parte de mitologia. A cena do nascimento depois da morte, a “leveza”, a “beatitude”, e a alegria que sucede a travessia da morte retomam uma tópica que aparece em uma certa literatura francesa: ela aparece no ensaio “De l’exercitation” de Montaigne e na segunda reverie de Rousseau. Em ambos os casos, trata-se de voltar literalmente da experiência da quase morte. A citação consistindo no método da mitologização, contra a qual alertava Blanchot, sem querer nem poder de todo recusa-la. As duas cenas paradigmaticas que resumem a literatura ocidental, ou o Ocidente enquanto literatura, a nekuia e a da ira, do protesto e da revolta, enfeixariam a relação essencial entre mitologia e politica, sacrificio e politica, formulados de modo matricial na modernidade pela sequencia que se abre com o terror jacobino  (1792-1794) e a Festa do Ser Supremo (1794). A recusa a mitologia tem uma importância essencial no programa politico-literário de Blanchot, no que toca o nazismo, e este acontecimento que divide o século XX, o extermínio dos judeus da Europa. Pois, segundo Blanchot: “No judeu, no ‘mito do judeu’, o que Hitler quer aniquilar e precisamente o homem liberto de mitos”. Afirmação polemica, questionada por Derrida (onde ha religião ha sempre uma parte de sacrifício e sagrado), que assinala a judeofilia de Blanchot. E em torno desta cena politico-literária, ou mitológico-politica, que se divide também a vocação politica de Blanchot: sua dupla “conversão” a direita nacionalista no inicio dos anos 1930, e a esquerda, ao que parece, apos o encontro de Georges Bataille, em 1940. O livro de Lacoue-Labarthe deixa todas essas questões em aberto. Em seu estado póstumo de fragmento inacabado, ele instala de forma definitiva a questão ético-politica que ocupou a vida de seu autor: a afirmação de que “e a remitologização que traz sozinha a responsabilidade do mal”. Aqui ele retorna a todos os seus temas e autores prediletos: Bataille, Holderlim, Rousseau, Freud e, sobretudo, Blanchot. E, portanto, em torno do motivo do póstumo e da morte que se fecha o ciclo literário e essa vida. Em torno mais precisamente desta revelação: a de que a morte e a condição de possiblidade, no sentido transcendental, kantiano, da vida.

Joao Camillo Penna


* (Première Livraison, no 4,
Mathieu Benezet e Philippe
Lacoue-Labarthe (eds.).
Paris-Strasbourg, fevereiromarco, 1976.)

* (Malraux. Andre. “Antimemoires,
III, 2, Oeuvres
complètes, volume III. Paris:
Editions Gallimard, 1966, p.
240. Minha traducao.)

6/21/2012

MAX MARTNS - resistência da poesia




DIA 23 - ÀS 18h


O EFEITO MAX | RESISTÊNCIA DA POESIA
Edilson Pantoja - Ney Ferraz Paiva - Nilson Oliveira

Espaço Cultural Café Pimenta de Cheiro
Av. José Malcher Nº 2125 - Entre 3 de Maio e 9 de Janeiro | São Brás












6/02/2012

Em defesa de uma biblioteca virtual

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Pintura de Norberto Nunes


Intelectuais apoiam blog Livro de Humanas


Criado em 2009, o blog Livro de Humanas reunia mais de 2 mil títulos acadêmicos para download gratuito. O site foi retirado do ar no fim de maio, devido a uma ação judicial movida pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), entidade que representa dezenas de editoras do país. No texto abaixo, escritores e acadêmicos defendem o blog.





EM DEFESA DE UMA BIBLIOTECA VIRTUAL


Por Alexandre Nodari - Eduardo Sterzi - Eduardo Viveiros de Castro -Idelber Avelar - Pablo Ortellado - Ricardo Lísias  - Veronica Stigger





A liberdade de expressão moderna é indissociável da invenção da imprensa, ou seja, da possibilidade de reproduzir mecanicamente discursos e imagens, fazendo-os circular e durar para além daquele que os concebeu. A própria formação da esfera pública, bem como do ambiente de debate científico e universitário, está umbilicalmente conectada à generalização do acesso aos bens culturais. Sem a disseminação da diversidade e do confronto de opiniões e de teorias, a liberdade de expressão perde seu sopro vital e se torna mero diálogo de surdos, quando não monólogo dos poderosos.


A internet eleva ao máximo o potencial democrático da circulação do pensamento. E coloca, no centro do debate contemporâneo, o conflito entre uma visão formal-patrimonialista e outra material-comunitária da liberdade de expressão. Tal cisão, bem real, pareceria manifestar-se no conflito entre direitos autorais e direito de acesso. Estes não são, porém, necessariamente antagônicos, pois o prestígio moral e econômico de um autor ou de uma obra está, em última análise, ligado à sua visibilidade. São incontáveis os exemplos de escritores e editoras que não só se tornaram mais conhecidos, como tiveram um incremento na venda de suas obras depois que estas apareceram para download. O público que baixa livros é o mesmo que os compra.

Assim, o verdadeiro conflito não é entre proprietários e piratas, mas entre monopolistas e difusionistas. A concepção monopolista-formal dos direitos autorais está embasada na ideia de que aquilo que confere valor à obra é a sua raridade, o seu difícil acesso; já a difusionista-democrática se ampara na inseparabilidade de publicidade e valor. A internet favorece a segunda concepção, uma vez que a existência física do objeto cultural que sustentava a primeira vai sendo substituída por sua transformação em entidade puramente informacional. Desse modo, também se produz uma transformação da natureza das bibliotecas. As novas bibliotecas virtuais se baseiam no armazenamento e na disseminação tais como as antigas bibliotecas materiais, mas oferecem uma mudança decisiva porque a estocagem depende da distribuição e não o contrário: é a difusão que garante o armazenamento descentralizado dos arquivos.

É uma biblioteca sem fins lucrativos e construída nesses moldes modernos e democráticos que se acha sob ameaça devido ao processo movido pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), sob o pretexto de infringir direitos autorais. O alto preço dos livros, o desaparelhamento das bibliotecas públicas e o encarecimento do xerox levaram um estudante universitário a disponibilizar online textos esgotados ou de difícil acesso para seus colegas. A iniciativa cresceu, atraiu a atenção de estudantes e professores de todo o país e se tornou a mais conhecida biblioteca virtual brasileira de textos acadêmicos, ganhando prestígio comparável ao site “Derrida en castellano”, que sofreu processo semelhante e foi absolvido nas cortes argentinas, como esperamos que o “livrosdehumanas.org” o será pela Justiça brasileira.

Os defensores da concepção patrimonialista dos direitos autorais costumam pintar cenários catastróficos em que a circulação irrestrita de obras gera esterilidade criativa. No entanto, ignoram, ou fingem ignorar, que os textos nascem sempre de outros textos e que o autor é, antes de tudo, um leitor. Hoje, lamentamos a destruição das grandes bibliotecas do passado, como a de Alexandria, e das riquezas que elas protegiam. Poupemo-nos de chorar um dia pela aniquilação das bibliotecas virtuais e pela cultura que elas podiam ter gerado.





*Alexandre Nodari é doutor em Teoria Literária pela UFSC e editor da Cultura e Barbárie;


Eduardo Sterzi é escritor e professor de Teoria Literária na Unicamp;


Eduardo Viveiros de Castro é antropólogo e professor do Museu Nacional/UFRJ;


Idelber Avelar é crítico literário e professor da Tulane University (Nova Orleans, EUA);


Pablo Ortellado é professor de Gestão de Políticas Públicas e de Estudos Culturais na USP, coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai);


Ricardo Lísias é escritor, autor de “O céu dos suicidas”, entre outros;


Veronica Stigger é escritora, professora de História da Arte na FAAP, coordenadora do curso de Criação Literária da Academia Internacional de Cinema (AIC).