9/28/2011

Bartleby ׀ Giorgio Agamben


BARTLEBY - escrita da potência
Giorgio Agamben


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Para baixar o livro:

Bartleby é um conto de contornos Kafkianos da autoria de Melville, editado pela primeira vez em 1853, e trata de um misterioso escriba de seu nome Bartleby. Trata-se de uma curiosa personagem que vem trabalhar para um escritório na feitura de cópias e que se recusa quer a verificar as cópias que faz, quer a fazer todo e qualquer serviço de escritório que não seja a cópia, repetindo a sua fórmula "I would prefer not to" com uma calma e frieza que deixa seu patrão exasperado. Posteriormente, o patrão descobre que Bartleby vive literalmente no escritório. Entretanto, Bartleby deixa de escrever, levando consigo o seu "I would prefer not to" até ao fim.

Giorgio Agamben começa por situar Bartleby numa constelação filosófica, começando com a comparação de Aristóteles de "noûs", o intelecto ou pensamento em potência, com uma tabuínha de escrever sobre o qual nada ainda está escrito.

Esta imagem da página em branco foi mais tarde usada por Locke, para definir a mente como sendo à partida, essa página em branco. Agamben refere que esta imagem tinha em si a possibilidade de um equívoco, o que terá contribuído para o seu sucesso: "A mente é, então, não uma coisa, mas um ser de pura potência e a imagem da tabuinha de escrever, sobre a qual nada ainda está escrito, serve precisamente para representar o modo de ser uma pura potência. Toda a potência de ser ou de fazer qualquer coisa é, de facto, para Aristóteles, sempre também potência de não ser ou de não fazer".

Refere ainda o fascínio de Deleuze pela fórmula de Bartleby "I prefer not to" que é definida como agramatical, daí o seu poder devastante: "a fórmula desune as palavras e as coisas, as palavras e as acções, mas também os actos linguísticos e as palavras: ela corta a linguagem de qualquer referência a si ou a outro" (Deleuze)

Agamben segue esta ideia de Deleuze, dizendo que esta fórmula "abre uma zona de indiscernibilidade entre o sim e o não, o preferível e o não preferido. Mas também, na perspectiva que aqui nos interessa, entre a potência de ser (ou de fazer) a potência de não ser (ou de não fazer)." (Agamben)

Agambem também se desdobra em considerações sobre a escrita como acto de criação, faz uma análise pormenorizada sobre os complexos fenómenos de causalidade envolvidos no acto da escrita, e do seu carácter de contigência, usando as mais diversas fontes como o Islão por exemplo. Agamben refere-se a Bartleby como experiência de verdade que é levada a cabo no sentido de levar a fundo a noção de potência no acto da escrita. Nesta "experiência de verdade" "quem se aventura, arrisca de facto, não tanto a verdade dos próprios enunciados quanto o próprio modo do seu existir e realiza, no âmbito da sua história subjectiva, uma mutação antropológica a seu modo tão decisiva quanto foi, para o primata, a libertação da mão na posição erecta, ou, para o réptil, a transformação dos membros anteriores que o mutou em pássaro".


9/24/2011

Polichinello / nova edição


Polichinello 13 - A EXPERIÊNCIA-LIMITE
Lançamento | Novembro
NESTA EDIÇÃO
Imagens | Keyla Sobral
A experiência limite - Nilson Oliveira O impensável pensamento do desastre? Amanda Mendes Casal & Eclair Antonio Almeida Filho O desabamento | Um contracanto não se improvisa - | Um ato preparatório - Jean-Marie Gleize | Tradução: Marcelo Jacques de Moraes Contaminações - Marcio-André The End - Lígia Dabul Seleção de poemas - Roberto Corrêa dos Santos fragmentos do carnet posthume - Roger Laporte | Tradução: Sônia Fernandes • Into the Waveland | Tow In - Alberto Pucheu Actividad del Azogue - José Kozer | Tradução: Luiz Roberto Guedes • Poéticas à beira de sobre e com a escrita tênue de L’arrêt de mort - Sheyla Smanioto Macedo Fante e Nós - Cristiano Bedin da Costa poema limite - Beatriz Bajo • O Limite Calculado | O Limite - Ademir Demarchi Antimonumentos: a memória possível após as catástrofes - Márcio Seligmann-Silva o monstro que fere o espaço mora no ventre do tempo - Edilson Pantoja A Experiência Limite ou sobre escrever e traduzir poesia - Solange Rebuzzi Cesárea | o limite - Andréa Catropa Rassuras  Max Martins Escrever de Pé - Michel Tournier | Tradução: Marcelo Diniz   Jack Kerouac: Tempo - Memória e Mística da Marginalidade - Claudio Willer • Entrevista com Silvina Rodrigues Lopes | por Sabrina Sedlmayer Ponte do Galo: a cidade como labirinto do desejo - Ernani Chaves   Botões Noturnos - Louis Couperus | Tradução: Jan Oldenburg A Invenção do Pai - Gisela Leirner Joyce Mansour | Tradução: Éclair Antonio Almeida Filho a imagem recorrente - Francisco dos Santos • A espera | Emily Dickinson | O. Mandelstan - Guy Goffette | Tradução: Antonio Moura Flor Occipital - Cláudio Daniel O Astrônomo - Nonato Cardoso Ontem durante a vida de Paulo Simão - Leonardo Gandolfi Fiquei doente e duas pessoas ligaram para mim - Vanessa Massoni da Rocha formação (psicodrama I) | equivalências (psicodrama II) | atadura (psicodrama III) - João Camillo Penna a arte cavalheiresca do arqueiro zen | cha no yú | para ser inscrito no mausoléu da princesa shai - Fernando José Karl Repicam os sinos enferrujados - Márcia Barbieri   samba para Ela, Edson Cruz A Mata Cercada - Evandro Nascimento A Cortesã do Infinito Transparente - Andréia Carvalho Pianista Boxeador - Daniel Lopes Improviso no olhar do tempo - Milton Meira  • “Ele Assunta a Formação de Mitos” - Ismar Tirelli Neto 103 Passeio com o Vento - Roseana Nogueira - 104 A rosa de Virgílio | Fronteiras - José Inácio Vieira de Melo - 106 O Poeta e a Astróloga em Nova Iorque - Haroldo Maranhão • iocanaam - Reinaldo “guaxe” Santana Pequenos ensaios - Eliana Pougy Andreev Veiga






mas sua fissura
esta brecha na muralha dos ventos
onde eu moro
um buquê de rosas à mão
jardineiro do instante perdido
e contador para sempre
da luz inconsolada
sob as pálpebras dos cegos



Guy Goffette | Tradução: Antonio Moura




Ao leitor desconhecido
tenho assinalado não o verso liso

9/20/2011

COLÓQUIO - Maria Gabriela Llansol



COLÓQUIO A CURA DA LITERATURA
breve encontro intenso da psicanálise
com o texto de Maria Gabriela Llansol

Data do evento: 20/10/2011 
Horário:de 09:00 às 22:00 
Local: Faculdade de Letras - UFMG -
Auditório 1007

Para inscrição no colóquio: fiodeaguadotexto@gmail.com.




PROGRAMAÇÃO:








Para Lúcia Castello-Branco, e seus alunos)
Querida Lúcia,
__________________________, falta-me uma flor branca para compor, com rigor, um ramo lilás. Essas, são as cores de hoje. E, para saber com rigor onde me encontro, hoje, fui ao jornal ver-lhe a data. Comparei-a, intuitivamente e em silêncio, com a mesma data dos anos anteriores. Com a perturbação de escrever, senti que a vida cresce para uma forma             ou ramo, que espero ainda ver.
Flutua sobre a linha dos livros, desde os primeiro, e
desde os anteriores aos primeiros,
que não escrevi e colho, em cada um, a flor emblemática da sua recordação. A este colher chamarei autobiografia de um legente.
Alguém que colhe a flor que falta para que se acalme a minha perturbação pessoal,
alguém que colhe o tom de cada um dos títulos que escrevi,
alguém que traga o ramo que
fiz da minha vida
ao facto de ler identificada com o legente que se estende, mais esguio e inquieto.
ao lado da que escreveu. Em cada livro
escrito há – lido –, um portal, um alpendre.
Entrar, de novo, por eles adentro,
e repetir o acto de amor com que os escrevi. Aceitar o pedido
que me trazem
de entrar outra vez,
e de sentar-me, perturbada pelo corpo, onde o legente preferir,
sentar-me com ele a saborear o matiz, a linha, o tom,
dizer-lhe “é pensamento”,
e deixa-lo, de novo, cair da memória, no fio de água do texto.
A essa autobiografia que escreverei comigo, com ela lendo, chamarei ramo,
subentendendo a árvore florida
no prado da minha casa
ou no corredor da minha vida.
Pois o texto ________________________
MGab Llansol


9/18/2011

RENÉ CHAR - Tradução : Edson Passetti & Martha Gambini



Poemas de René Char

Tradução : Edson Passetti  &  Martha Gambini

Poemas publicados na edição da revista Polichinello nº 12



R


livres sous mouvement. Mais livres qui s’introduisent avec souplesse dans nos jours, y poussent une plainte, ouvrent des bals.
Comment dire ma liberté, ma surprise, au terme de mille détours : il n’y a pas de plafond. (...)
In La biliothèque est em feu 

livros sob movimento. Mas livros que se introduzem suavemente em nossos dias, lançando um lamento, abrindo bailes.
Como dizer minha liberdade, minha surpresa, e depois de mil voltas: não há fundo, não há teto." (...)


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Les compagnons dans le jardin
Os companheiros no jardim

L’homme n’est qu’une fleur de l’air tenue par la terre, maudite pas les astres, respirée par la mort; le souffle et l’ombre de cette coalition, certaines fois, le surèlévent.
O homem não passa de uma flor do ar sustentada pela terra, maldita pelos astros, respirada pela morte; o sopro e a sombra de tal coalizão, por vezes, o sobrelevam.

Notre amitié est le nuage blanc préféré du soleil.
Nossa amizade é a nuvem branca preferida do sol.

Notre amitié est une écorce libre. Elle ne se détache pas des promesses de notre coeur.
Nossa amizade é uma casca livre. Não pode ser separada das proezas de nosso coração.

Où l’esprit ne déracine plus mais replante et soigne, je nais. Où commence l’enfance du peuple, j’aime.
Ali onde o espírito já não desenraiza mas replanta e cuida, nasço. Ali onde começa a infância do povo, amo.
XXe siècle: l’homme fut au plus bas. Les femmes se éclairaient et se déplaçaient vite, sur un superplomb  où seuls nos yeux avaint accès.
Século XX, o homem desceu ao máximo. As mulheres se iluminavam e se deslocavam rapidamente num superpatamar a que só nossos olhos tinham acesso.

A une rose je me lie.
A uma rosa me uno.

Nous sommes ingouvernables. Le Seul maître qui nous soit propice, c’est l’Eclair, qui tantôt nous ilumine et tantôt nous pourfend.
Somos ingovernáveis. Nosso único senhor propício é o Relâmpago, que ora nos ilumina, ora nos fende.

Éclair et rose, en nous, dans leur fugacité, pour nous accomplir, s’ajoutent.
Relâmpago e rosa, em nós, em sua fugacidade, para nos realizar, se juntam.

Je suis d’herbe dans ton matin, ma pyramide adolescente. Je t’aime sur tes milles fleurs refermés.
Sou de relva em tua manhã, minha pirâmide adolescente. Eu te amo sobre tuas mil flores, de novo fechadas.
Prête au bourgeon, en lui laissant l’avenir, tout l’éclat de la fleur profonde. Ton dur second regard le peut. De la sorte, le gel ne le détruira pas.
Disposta ao broto, cedendo-lhe o futuro, todo o esplendor da flor profunda. Teu duro segundo olhar, pode. Assim o gelo não o destruirá.

Ne permettons pas qu’on nous enlève la part de la nature que nous renfermons. N’en perdons pas une éctamine, n’en cédons pas un gravier d’eau.
Não permitamos que nos roubem a parte da natureza que guardamos. Não percamos dela nem um fio, não cedamos nem um seixo de sua água.

Après le départ des moissonneurs, sur les plateaux de l’Ile-de-France, ce menu silex taillé qui sort de la terre, à peine dans notre main, fait surgir de notre mémoire un noyau équivalent, noyau d’une aurore dont nous ne verrons pas, croyons-nous, l’altération ni la fin; seulement la rouger sublime et le visage léve.
Após a partida dos ceifadores, nos planaltos de Île-de-France, esse pequeno sílex esculpido que emerge da terra, apenas em nossa mão, faz surgir de nossa memória um caroço equivalente, caroço de uma aurora cuja alteração e fim, acreditamos, não iremos ver; apenas o rubor sublime e o rosto erguido.

Leur crime: um enragé vouloir de nous apprendre a mépriser les dieux que nous avons en nous.
O crime cometido: uma furiosa vontade de nos ensinar a desprezar os deuses que vivem em nós

Ce sont les pessimistes que l’avenir èléve. Ils voient de leur vivant l’objet de leur appréhension se réaliser. Pourtant la grappe, qui a suivi la moisson, au-dessus de son cep, boucle; et les enfants des saisons, qui ne sont pas selon l’ordinaire réunis, au plus vite affermisent le sable au bord de la vague. Cela, les pessimistes le perçoivemt aussi.
São os pessimistas que o porvir eleva. Em vida, vêem se realizar o objeto de sua apreensão. No entanto, as uvas, após a colheita, em cachos coroam o cepo; e os filhos das estações, não reunidos segundo o hábito, prementes firmam a areia na borda da onda. Isto os pessimistas também notam.

Ah! le pouvoir de se lever autrement.
Ah! O poder de levantar-se de outra maneira.

Dites, ce que nous sommes nous fera jaillir en bouquet?
Digam, o que somos nos fará jorrar em buquê?

Um poète doit laisser des traces de son passage, non des preuves. Seules les traces font rêver.
Um poeta deve deixar pegadas de sua passagem, não provas. Só os vestígios fazem sonhar.
Vivre, c’est s’obstiner à achever um souvenir? Mourir, c’est devenir, mais nulle part, vivant?
Viver é obstinar-se a consumar uma lembrança? Morrer é tornar-se, mas em parte alguma, vivo?

 Le réel quelques fois desaltere l’espérance. C’est pourquoi, contre toute attente, l’espérance survit.
O real, algumas vezes, mata a sede da esperança,. É por isso que, contra toda espera, a esperança sobrevive.

Toucher de son ombre um fumier, tant notre flanc renferme de maux et notre coeur de pensées folles, se peut; mais avoir en soit un sacré.
Tocar com nossa sombra um estrume, por serem tantos os males guardados no flanco e pensamentos loucos no coração, isso se permite; mas ter em si um sagrado....

L’Histoire n’est que le revers de la tênue des maîtres. Aussi une terre d’effroi où chasse le lycaon et que racle la vipère. La détresse est dans le regard des societés humaines et du Temps, avec des victoires qui montent.
A História é apenas o avesso da roupa dos amos. Também uma terra de pavor onde o Licaon caça, e que a víbora raspa. A miséria está no olhar das sociedades humanas e do Tempo, com vitórias que ascendem.

Lorsque je rêve et que j’avance, lorsque je detiens l’innefable, m’éveillant, je suis à genoux.
Quando sonho e avanço, quando retenho o inefável, ao despertar estou de joelhos.

Luire et s’élancer — prompt couteau, lente étoile.
Luzir e lançar-se — rápida faca, lenta estrela.

Dans l’éclatement de l’univers que nous éprouvons, prodige! Les morceux qui s’abattent sont vivans.
Na explosão que experimentamos do universo, prodígio! Os pedaços que caem estão vivos.

Ma toute terre, comme um oiseau chargé en fruit dans un arbre éternel, je suis à toi.
Minha querida terra, tal pássaro carregado em fruto numa árvore eterna, sou teu.

Ce que vos hivers nous demandent, c’est d’enlever dans les airs ce qui serait sans cela que limaille et souffre-douleur. Ce que vos hivers nous demandent, c’est de préluder pour vous à la saveur: une saveur égale à celle que chante sous sa rondeur ailée la civilization du fruit.
O que seus invernos nos pedem é que levantemos pelos ares aquilo que sem isso não passaria de limalha e bode expiatório. O que seus invernos nos pedem, é que preludiemos por vocês ao sabor: um sabor igual ao que a civilização do fruto canta sob sua redondeza alada.

Ce qui me console, lorque je serai mort, c’est que je serai là — disloqué, hideux — pour me voir poème.
Isto me consola: quando estiver morto, estarei aí — desagregado, repugnante — para me ver poema.

Il ne faut pas que ma lire me devine, que mon vers se trouve ce que j’aurais pu écrire.
Não preciso que minha lira me adivinhe, que meu verso desvele o que eu poderia ter escrito. 

Le merveilleux chez cet être: toute source, en lui, donne le jour à un ruisseau. Avec le moindre de ses dons descend une averse de colombes.
O maravilhoso neste ser: toda fonte, nele, dá a luz um riacho. Com o menor de seus dons provoca uma tempestade de pombas.

Dans nos jardins se préparent des forêts.
Em nossos jardins preparam-se florestas.

Les oiseaux libres ne souffrent pas que’on les regarde. Demeurons obscurs, renonçons à nous, près d’eux.
Os pássaros livres não suportam ser observados. Em sua proximidade, sigamos obscuros, renunciemos a nós mesmos.

Ô survie encore, toujours meilleure!
Oh, sobrevivência, cada vez melhor!

In La parole em archipel 1952-1960

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L’Éternité, à Lourmarin
Albert Camus
À Jean-Paul Samson 
Il n’y a plus le ligne droite ni de route éclairée avec un être qui nous a quittés. Où s’étourdit notre affection Cerne après  cerne, s’il approche c’est pour aussitôt s’enfouir. Son visage parfois vient s’appliquer contre le nôtre, ne produissant qu’un éclair glacé. Le jour qui allongeait de bonheur entre lui et nous n’est nulle part. Toutes les parties — presque excessives — d’une présence se sont d’un coup disloqués. Routine de notre vigilance.... Pourtant cet être suprimé se tient dans quelque chose de la rigide, de désert, d’essentiel en nous, où nos millénaires ensemble font juste l’epaisseur d’une paupière tirée.
Avec celui que nous aimons, nous avons cessé  de parler, et ce n’est pas le silence. Qu’en est-il alors? Nous savons, ou nous croyons savoir. Mais seulement quand le passé qui signifie s’ouvre pour lui livrer passage. Le voici  à notre hauteur, puis loin, devant.
À l’heure de nouveau contenue ou nous question-nons tout le poids d’énigme  soudain commence la douleur, celle de compagnon à compagnon, que l’archer, cette fois,  ne transperce pas. 

In Quitter

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A eternidade em Lourmarin
Albert Camus
A Jean-Paul Samson 

Não subsiste linha reta nem estrada iluminada com um ser que nos deixou. Onde nossa afeição se atordoa? Se ele se aproxima, círculo após círculo, é para logo se enterrar. Seu rosto por vezes  vem se colar contra o nosso, produzindo apenas um brilho gelado. O dia que alongava a felicidade entre ele e nós não se encontra em lugar algum. Todas as partes – quase excessivas – de uma presença, imediatamente se desagregaram. Rotina de nossa vigilância... No entanto, esse ser suprimido mantém-se em algo de rígido, de deserto, de essencial em nós, onde todos nossos milênios somam exatamente a espessura de uma pálpebra fechada.
Deixamos de falar com quem amamos e o silêncio não se faz. O que se passa então? Sabemos, ou pensamos saber. Mas apenas quando o passado que significa abre-se para lhe dar passagem. Ei-lo a nossa altura, depois longe, adiante.
Na hora novamente contida em que questionamos todo o peso de enigma, subitamente começa a dor, de companheiro a companheiro, que o arqueiro, desta vez, não transpassa.

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contrevenir
Obéissez à vos porcs qui existent. Je me soumets à mes dieux qui n’existent pas.
Nous restons gens d’inclemence.


transgressão


Obedeça aos seus porcos que existem. Eu me submeto aos meus deuses que não existem.
Permanecemos gente de inclemência.


In  Quitter